terça-feira, 30 de junho de 2009

FÁBIO DE MELO

* Eraldo Amorim
Vez por outra ele está em algum programa de televisão, cantando, dando conselhos, contando histórias, aumentando assim cada vez que aparece o número de fãs, admiradores, ou de futuros leitores dos seus livros. Livros estes de conteúdo de auto ajuda, misturado com versículos bíblicos. Ele está na mídia, seus shows atraem milhares de pessoas. Estamos nos referindo ao Padre Fábio de Melo, ex-religioso da congregação do Sagrado Coração de Jesus e que hoje faz parte da diocese de Taubaté-SP.
Não vamos aqui precipitadamente levantar julgamento sobre este jovem padre artista, esta não é a nossa intenção, mesmo porque dele mesmo não sabemos quase nada, mas da sua atuação no meio televisivo podemos pensar algo e tirar algumas conclusões.
Todos os cristãos batizados têm a missão de ser missionário de Jesus no mundo, este é o dever que nos atinge. Mais ainda tem esta missão um padre, homem consagrado a levar a fé e a doutrina onde estiver e onde for chamado a fazê-lo, principalmente aos pobres e necessitados. Todo padre que se preze tem que celebrar missa, abraçar os votos de obediência e castidade; e no caso de um religioso fazer o voto de pobreza, continuando assim, a missão que Jesus Cristo começou. Com certeza foi assim a formação do Pe. Fábio, passada pelos seus superiores e formadores, e é assim também a sua vida de comunhão eclesiástica.
É inegável a contribuição que o Pe. Fábio tem dado à Igreja católica brasileira, em tempos de evasão, crescimento das mais diversas tendências protestantes neopentecostais e da modernidade secularizada, que cultua uma religião sem compromisso e superficial, baseada numa espiritualidade voltada para o individualismo. Ele faz sucesso por falar a linguagem do momento, por falar àqueles que estão sofrendo na solidão, desamparados, carentes em todos os sentidos e que por viverem numa sociedade cada vez mais mecanizada não se realizam enquanto pessoas, não encontram a felicidade, e que em muitos casos não possuem uma fé madura suficiente.
Fábio de Melo age muito mais como um psicólogo de plantão do que como padre. Sua imagem e suas palavras confortadoras acalentam as mentes, além de ser um ótimo negócio para a indústria religiosa áudio-visual. Seus livros vendem como água, suas canções embalam todos os corações e atingem até os de outras denominações religiosas.
Mas diante disto tudo vale nos questionar: que Jesus este padre anuncia? Suas intenções podem ser as melhores possíveis, mas suas canções são burguesas, os seus livros estão longe de atingir as camadas mais populares, tanto pelo preço quanto pela linguagem. Portanto, o Jesus anunciado por ele estaria muito distante do Jesus Nazareno anunciado pelos evangelistas. Não seria o Jesus dos Shoppings Centers, das academias e das roupas de grife? A propósito, se suas canções fossem contrárias ao consumo e não esbanjassem tanto teor emotivo, estaria ele em programas de entretenimento, desses sem conteúdos, em tardes de domingo?
Bem que os tempos são outros e os meios de comunicação e a tecnologia propagaram cada vez mais concepções diversas sobre a realidade “Jesus de Nazaré”. Cada qual o cria ao seu modo, e retira dele o que mais incomoda e atrapalha. Mas o seu Testamento é permanente, não muda nunca, é eterno. Os métodos de evangelização podem avançar, mas o conteúdo (Jesus de Nazaré e o seu projeto) não poderá ser alterado. Tudo passa: a fama, o dinheiro, os shows, as músicas e as emoções; mas Jesus permanece.
Fábio de Melo é especialista em falar e tocar na sensibilidade das pessoas, mas não é capaz de fazer com que a proposta de Jesus e o compromisso com o seu projeto evangélico mudem a estrutura social em que vivemos. Ele é humano, tanto como nós, não é Deus, mas apenas o portador de sua mensagem, sujeito a erros e enganos assim como qualquer cidadão. Isto é o que os seus milhares de fãs precisam compreender.
O que deve nos preocupar ainda mais é que se comece a pensar que o seu jeito de orar, de cantar e de exercer a espiritualidade, seja a única forma eficaz de encontrar a Deus. Que este modelo é o único na Igreja Católica e fora dela. Devemos assim ficar atentos e não falar só com o coração mas aprender a desenvolver uma espiritualidade que caminhe junto com a realidade. Um olho no céu e outro na terra. A missão para ser verdadeira não deverá fazer pacto com nenhuma gravadora, editora de livros ou com audiência de programas de televisão, mas apenas com Jesus e com o seu projeto de vida, sem distinção de cor, classe social ou conhecimento intelectual.

Campina Grande, 30 de junho de 2009.

É PERIGOSO SER JOVEM NO BRASIL

Por Martha San Juan França
Homens com idade entre 15 e 24 anos são as grandes vítimas de morte violenta no país. Os especialistas dizem que a principal causa é a desigualdade econômica e social. Os jovens brasileiros estão morrendo cedo demais – e de maneira violenta. Pesquisas divulgadas nos últimos meses demonstram que a proporção de morte por homicídio e acidente de trânsito, as causas externas, é altíssima entre os jovens, uma das maiores da América Latina. Os índices de violência, de modo geral, são elevados em todo o continente – quatro vezes maior do que a média anual. Pior: as maiores vítimas de morte violenta são os jovens com idade entre 15 e 24 anos. No Brasil, a porcentagem de mortes por assassinato nessa faixa etária é 170% maior do que a de qualquer outra faixa etária. A probabilidade de um jovem brasileiro ser vitima de homicídio é 30 vezes maior que a de um jovem europeu e 70 vezes maior que a de um morador da Inglaterra, da Áustria ou do Japão.
Para especialistas, são vários os fatores que contribuem para esse triste recorde. Em primeiro lugar, é preciso considerar que a violência no Brasil é preocupante independentemente da idade das vítimas. Em três regiões do país – Norte, Centro-Oeste e Nordeste – a violência constitui a segunda maior causa de morte. No Sudeste e no Sul, ocupa o terceiro lugar. O maior risco é dos homens (adolescentes e adultos jovens), negros e residentes em grandes centros urbanos (...) os problemas de segurança pública têm relação com fatores e mudanças estruturais complexos que ocorreram no médio e no longo prazos na sociedade brasileira e devem ser levados em consideração na hora de estabelecer os programas destinados a combater a violência. Entre eles, falta de moradia, crescimento de favelas, precariedade dos serviços, somados à violência doméstica, frequentemente associada ao consumo de drogas e à desagregação familiar.
Um contingente significativo de jovens, geralmente pobres e moradores das periferias das grandes cidades, integra-se apenas parcialmente à sociedade. Estão longe de conseguir condições de vida adequadas e o aumento de renda, embora tenham crescido expostos às mesmas tentações da cultura de massa e imposições do consumo que outros jovens que se encontram no extremo oposto da pirâmide social. O resultado é uma combinação perversa: mais expectativas aliadas expectativas aliadas a menores condições de alcançar os objetivos constituem o pano de fundo da decepção do jovem. A válvula de escape para essa frustração é facilmente manipulada em direção à marginalidade e ao crime. Jovens que não conseguem espaço no mercado formal são aliciados pelos que comandam o tráfico. A possibilidade de ter um rendimento maior que o obtido com um trabalho formal funciona como um estimulo à entrada no mundo do crime. Frequentemente, a atividade é curta, interrompida pela morte ou pela prisão. O tráfico de drogas tem outro aspecto bastante difícil: a corrupção de parte dos policiais, que amplia a impunidade em todos os níveis.

FONTE: REVISTA ATUALIDADES, 1º Semestre de 2009.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

DOSSIE AGUA - III

DOSSIÊ ÁGUA – PARTE III
Por Thereza Venturoli

Muitos rios, acesso desigual. O Brasil é privilegiado em recursos hídricos. Mas falta muito para que toda a população tenha acesso à água limpa e a tratamento de esgoto. A acelerada urbanização, que colocou em 2008 mais da metade da população mundial em centros urbanos, faz com que aumente cada vez mais o volume retirado dos rios para abastecer residências e indústrias. Além de sobrecarregar as reservas, as populações das cidades estão sujeitas a consumir água de baixa qualidade, potencial responsável por doenças como cólera e diarréia. A parcela da população total que tem acesso à água limpa caiu de 84% para pouco mais de 70%, no mesmo período. Na Nigéria, a situação é ainda pior: a taxa de urbanização passou de 34% para 48%, mas o acesso à água de qualidade caiu de 80% para 68%. Isso por que as pessoas, ao saírem da zona rural, perderam acesso à água limpa, que não encontraram na cidade.
Com grande numero de rios e abundância de chuvas, o Brasil detém cerca de 13% de toda a água superficial do planeta. Mas toda essa água não é distribuída de maneira equilibrada: falta água na região do semiárido e nas grandes capitais do Sudeste. Cerca de 70% das reservas brasileiras estão na região Norte, onde vivem menos de 10% da população. 83% da população vive em cidades. Segundo o IBGE, 92,6% dessa população urbana é atendida por rede geral de abastecimento de água. É uma taxa alta, se comparada à da zona rural, que não supera os 28%. Os 74% dos brasileiros urbanos que não têm acesso aos serviços de abastecimento são obrigados a recorrer a poços, bicas, água de caminhões pipa – fontes que escapam do controle sanitário e podem chegar às casas contaminadas pelos vazamentos de fossas sépticas ou da rede de esgoto doméstico e industrial.
Mesmo na Região Norte, bem provida de recursos hídricos, a porcentagem dos habitantes de três capitais com acesso à rede geral de abastecimento é baixa: apenas 58,5% em Macapá (AP), 56% em Rio Branco (AC) e 30,6% em Porto Velho (RO). A cidade do Rio de Janeiro joga fora, sozinha, mais de 1,5 milhão de litros a cada dia – o equivalente a quase 620 piscinas olímpicas. Além disso, os 5,6 bilhões de litros de água lançados diariamente nas tubulações da Grande São Paulo colocam os mananciais próximos de seu limite de disponibilidade. Basta um breve período de falta de chuvas para a população se ver forçada a limitar o consumo, sob a ameaça de torneiras secas e racionamento de água. Na Grande São Paulo, menos de 25% do total de 56 metros cúbicos de esgoto produzidos a cada segundo recebe tratamento. Os restantes 42 metros cúbicos são despejados diariamente nos mesmos rios que abastecem os reservatórios de abastecimento.
Em alguns centros urbanos, 50% da população ocupa áreas irregulares e não tem acesso a serviços de água, coleta e tratamento de esgoto e coleta de lixo. Estima-se que a população favelada brasileira supere os 6,5 milhões de pessoas e deva chegar a 13,5 milhões nos próximos dez anos. Assim, a questão do acesso à água limpa torna-se um fator de exclusão social.

Fonte: Revista Atualidades, 1º Semestre 2009. Editora Abril.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

DOSSIÊ ÁGUA - PARTE II

DOSSIÊ ÁGUA – PARTE II
Por THEREZA VENTUROLI

A água que se usa em casa, aquela que sai de torneiras e chuveiros, representa uma pequena parcela de tudo o que cada cidadão consome – no total apenas 10% do consumo mundial. Para o consumidor doméstico, os restantes 90% vêm na forma de água invisível, dissolvida nos mais diferentes produtos e atividades. A agricultura é, de longe, a responsável pelo maior consumo de água. Cerca de 70% do que é extraído dos rios e aqüífero se destina à produção agropecuária. A fim de garantir safras de arroz, trigo e leite, o homem já reduziu a vazão de grandes rios em até 75%. A indústria é responsável pelos 20% restantes do consumo. Apesar de toda essa água ser captada e usada nas fazendas e na fábricas, uma parcela sempre chega a cada cidadão. O total de água consumida direta ou indiretamente por um individuo ou por toda uma população no decorrer de certo período recebe o nome de pegada hídrica. A pegada hídrica leva em conta não apenas a água agregada aos produtos, mas também o volume poluído na cadeia produtiva.
Entre 1997 e 2001, o comércio internacional transferiu de um país a outro algo em torno de 1 trilhão de metros cúbicos de água virtual por ano, apenas em produtos agropecuários. Se incluirmos aí os produtos industriais, o fluxo anual de água virtual superou o 1,6 trilhão de metros cúbicos. Desse total, 61% do volume viaja invisivelmente em grãos, e outros produtos vegetais, animais e derivados representam 17%. Os produtos industriais utilizam 22% - ou seja, 88% da água virtual transferida entres nações diz respeito diretamente à alimentação da humanidade. O Brasil está entre os maiores exportadores de água virtual do mundo, em companhia dos Estados Unidos, Canadá e França. Mas, como todas as demais nações, também importamos água virtual. O comércio internacional de água virtual democratiza o acesso à água, mas ameaça exaurir as fontes dos exportadores.
É lógico imaginar que os países com maior escassez hídrica apresentam maior saldo positivo no balanço comercial da água virtual – ou seja, seria de esperar que quem dispõe de menos água importe mais produtos e, assim, consuma mais água virtual estrangeira. É o caso de Kuweit, Arábia Saudita, Jordânia, Líbano e Israel, que, não tendo fontes suficientes para irrigar as plantações precisam importar alimentos. Por fim, uma vez que a agricultura consome muito mais água do que a indústria, as nações exportadoras de alimentos degradam suas reservas hídricas mais do que as industrializadas.
Pensar em cobrar pelo uso da água soa estranho. No entanto, em tempos de economia globalizada, em que os mercados se entrelaçam e ditam as regras, a crescente escassez é um argumento para transformar o bem natural em bem acessível apenas a quem possa pagar. Na verdade, o brasileiro não paga nada pela água. O valor da conta mensal refere-se aos custos de captação, tratamento e distribuição. A água em si, não tem preço.

Fonte: Revista ATUALIDADES, 1º Semestre 2009.