QUARESMA – EIS O TEMPO DE CONVERSÃO
* Eraldo Amorim
Desde o século II os cristãos celebram a Quaresma praticando o jejum, abstinência e períodos intensos de oração, tendo em vista a celebração da Páscoa. Na sua evolução histórica, a Quaresma, do latim “Quadragésima”, era o tempo litúrgico em que os fiéis se reconciliavam com a Igreja, ou seja, eram readmitidos na comunidade cristã e também se preparavam para receber o sacramento do Batismo. Os catecúmenos, provenientes do paganismo ou do judaísmo, faziam a sua preparação com atitudes que demonstravam adesão ao cristianismo.
Eram quarenta dias de jejum, exceto os domingos. No período quaresmal aos catecúmenos era exigido um permanente estado de renúncia e de adesão ao Cristo, professando a fé diante do Bispo e da comunidade reunida. A celebração do sacramento do Batismo ocorria na noite do Sábado Santo, quando podiam ser chamados de “fiéis”. Era, portanto, a pedagogia que passou a ser utilizada a partir do século IV, como forma de aceitação criteriosa dos novos cristãos.
De acordo com o antigo costume, o jejum consistia em apenas uma refeição diária, ao cair da tarde. Acrescentou-se, depois, a abstinência de carne e vinho, e em algumas regiões também a abstinência dos chamados lacticínios (leite, manteiga e ovos). Hoje, o exercício espiritual do jejum no tempo da Quaresma se resume apenas em dois dias, a Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira da Paixão. Além do jejum, este tempo litúrgico nos propõe a esmola e a oração, como virtudes a serem exercitadas.
A Quaresma nos prepara para a grande festa da Páscoa. Faz referência aos quarenta dias em que Jesus jejuou no deserto depois do batismo no Jordão (Mt 4, 2; Lc 4, 1s). Faz alusão também aos quarenta dias em que Moisés jejuou no monte Sinai (Ex 34, 28) e o profeta Elias caminhou em direção ao monte Horeb (1 Rs 19, 8), e a caminhada do povo de Deus no deserto após a libertação no Egito.
Segundo o Catecismo da Igreja: “A tentação de Jesus manifesta a maneira que o Filho de Deus tem de ser Messias – o oposto da que lhe propõe Satanás e que os homens desejam atribuir-lhe. É por isso que Cristo venceu o Tentador por nós: ‘Pois não temos um sumo sacerdote incapaz de comparecer-se de nossas fraquezas, pois Ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado’ (Hb 4, 15). A Igreja se une a cada ano, mediante os quarenta dias da Grande Quaresma, ao mistério de Jesus no deserto” (§ 540). Sendo assim, a Quaresma nos revela que mediante a obediência de Jesus no deserto nos tornamos fortes a superar as tentações do tempo presente, desde que estejamos dispostos a reconhecer as nossas fraquezas e buscar a conversão.
Assim nos adverte o apóstolo Paulo: “É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2 Cor 6, 2). Pois bem, a Quaresma é mais uma oportunidade de rever as nossas atitudes, as nossas concepções de mundo e de pensamento. Deus nos dá a chance de conversão, de mudança de vida, assim como é pregado no Evangelho: metanoia (Mc 1, 15).
“Revesti-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4, 24). Entretanto, não é fácil mudar de vida, romper com as estruturas de pecado e de morte. Este tempo litúrgico, extremamente catequético, nos leva ao calvário, ao sofrimento e a entrega de si mesmo, deixando morrer em nós toda prepotência e fazendo renascer um novo ser humano. A cruz, tão reverenciada neste período, nos ensina a não apenas enxergar o Cristo glorioso, mas a contemplar e a viver o mistério da dor como forma de se chegar ao paraíso.
É no exercício quaresmal que aprendemos a abrir o coração, a quebrar o orgulho, a vaidade e a compreender que nesta vida tudo termina em pó, e que o que permanece são as nossas boas obras de justiça, amor e perdão. Embora a conversão, enquanto mudança de vida, não ocorra cem por cento, a quaresma suscita em nós um desejo de mudança, é exercício em busca do aperfeiçoamento espiritual, conseqüentemente, uma maneira nova de viver, de agir e de tratar o próximo. Como bem nos afirma a Ir. Yone Buyst, “quaresma é tempo de retomar o caminho do Evangelho, tempo de renovação, de ‘morte ao pecado’, para que possamos ressurgir para uma vida nova com Cristo na sua Páscoa. Quaresma requer sobriedade, não é tristeza, é despojamento, ares de deserto”.
Aqui vão alguns lembretes de como devemos viver este tempo. Em clima de retiro espiritual, nas celebrações não cantamos o Glória e nem o Aleluia; a brandura dos instrumentos nos convida a reflexão silenciosa; as flores não enfeitam o presbitério, pelo menos neste período; a cor roxa é sinal de sobriedade e recolhimento; a Via Sacra nos faz repensar sobre o valor da vida e do amor de Cristo na cruz; a aspersão no Ato Penitencial renova em nós os compromissos batismais e a Campanha da Fraternidade é uma provocação pessoal e comunitária sobre as nossas contradições e injustiças que abalam os céus e provocam a crucifixão de milhares de seres humanos ainda hoje.
Vivamos a quaresma de maneira intensa, cultivando os aspectos da vida comunitária e cristã sob a perspectiva da grande Vigília (Sábado Santo), onde, naquela madrugada, o túmulo vazio sinalizou para todos nós o inicio de um novo tempo. Renovando os nossos compromissos batismais, aspergidos com água que jorra para a vida eterna, sejamos cada vez mais anunciadores e promotores de uma sociedade mais justa, onde a cultura de morte não tenha vez e nem voz.
A todos uma feliz Quaresma!
Campina Grande, 18 de fevereiro de 2009.
* Geógrafo, Teólogo e Professor.
* Eraldo Amorim
Desde o século II os cristãos celebram a Quaresma praticando o jejum, abstinência e períodos intensos de oração, tendo em vista a celebração da Páscoa. Na sua evolução histórica, a Quaresma, do latim “Quadragésima”, era o tempo litúrgico em que os fiéis se reconciliavam com a Igreja, ou seja, eram readmitidos na comunidade cristã e também se preparavam para receber o sacramento do Batismo. Os catecúmenos, provenientes do paganismo ou do judaísmo, faziam a sua preparação com atitudes que demonstravam adesão ao cristianismo.
Eram quarenta dias de jejum, exceto os domingos. No período quaresmal aos catecúmenos era exigido um permanente estado de renúncia e de adesão ao Cristo, professando a fé diante do Bispo e da comunidade reunida. A celebração do sacramento do Batismo ocorria na noite do Sábado Santo, quando podiam ser chamados de “fiéis”. Era, portanto, a pedagogia que passou a ser utilizada a partir do século IV, como forma de aceitação criteriosa dos novos cristãos.
De acordo com o antigo costume, o jejum consistia em apenas uma refeição diária, ao cair da tarde. Acrescentou-se, depois, a abstinência de carne e vinho, e em algumas regiões também a abstinência dos chamados lacticínios (leite, manteiga e ovos). Hoje, o exercício espiritual do jejum no tempo da Quaresma se resume apenas em dois dias, a Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira da Paixão. Além do jejum, este tempo litúrgico nos propõe a esmola e a oração, como virtudes a serem exercitadas.
A Quaresma nos prepara para a grande festa da Páscoa. Faz referência aos quarenta dias em que Jesus jejuou no deserto depois do batismo no Jordão (Mt 4, 2; Lc 4, 1s). Faz alusão também aos quarenta dias em que Moisés jejuou no monte Sinai (Ex 34, 28) e o profeta Elias caminhou em direção ao monte Horeb (1 Rs 19, 8), e a caminhada do povo de Deus no deserto após a libertação no Egito.
Segundo o Catecismo da Igreja: “A tentação de Jesus manifesta a maneira que o Filho de Deus tem de ser Messias – o oposto da que lhe propõe Satanás e que os homens desejam atribuir-lhe. É por isso que Cristo venceu o Tentador por nós: ‘Pois não temos um sumo sacerdote incapaz de comparecer-se de nossas fraquezas, pois Ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado’ (Hb 4, 15). A Igreja se une a cada ano, mediante os quarenta dias da Grande Quaresma, ao mistério de Jesus no deserto” (§ 540). Sendo assim, a Quaresma nos revela que mediante a obediência de Jesus no deserto nos tornamos fortes a superar as tentações do tempo presente, desde que estejamos dispostos a reconhecer as nossas fraquezas e buscar a conversão.
Assim nos adverte o apóstolo Paulo: “É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2 Cor 6, 2). Pois bem, a Quaresma é mais uma oportunidade de rever as nossas atitudes, as nossas concepções de mundo e de pensamento. Deus nos dá a chance de conversão, de mudança de vida, assim como é pregado no Evangelho: metanoia (Mc 1, 15).
“Revesti-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4, 24). Entretanto, não é fácil mudar de vida, romper com as estruturas de pecado e de morte. Este tempo litúrgico, extremamente catequético, nos leva ao calvário, ao sofrimento e a entrega de si mesmo, deixando morrer em nós toda prepotência e fazendo renascer um novo ser humano. A cruz, tão reverenciada neste período, nos ensina a não apenas enxergar o Cristo glorioso, mas a contemplar e a viver o mistério da dor como forma de se chegar ao paraíso.
É no exercício quaresmal que aprendemos a abrir o coração, a quebrar o orgulho, a vaidade e a compreender que nesta vida tudo termina em pó, e que o que permanece são as nossas boas obras de justiça, amor e perdão. Embora a conversão, enquanto mudança de vida, não ocorra cem por cento, a quaresma suscita em nós um desejo de mudança, é exercício em busca do aperfeiçoamento espiritual, conseqüentemente, uma maneira nova de viver, de agir e de tratar o próximo. Como bem nos afirma a Ir. Yone Buyst, “quaresma é tempo de retomar o caminho do Evangelho, tempo de renovação, de ‘morte ao pecado’, para que possamos ressurgir para uma vida nova com Cristo na sua Páscoa. Quaresma requer sobriedade, não é tristeza, é despojamento, ares de deserto”.
Aqui vão alguns lembretes de como devemos viver este tempo. Em clima de retiro espiritual, nas celebrações não cantamos o Glória e nem o Aleluia; a brandura dos instrumentos nos convida a reflexão silenciosa; as flores não enfeitam o presbitério, pelo menos neste período; a cor roxa é sinal de sobriedade e recolhimento; a Via Sacra nos faz repensar sobre o valor da vida e do amor de Cristo na cruz; a aspersão no Ato Penitencial renova em nós os compromissos batismais e a Campanha da Fraternidade é uma provocação pessoal e comunitária sobre as nossas contradições e injustiças que abalam os céus e provocam a crucifixão de milhares de seres humanos ainda hoje.
Vivamos a quaresma de maneira intensa, cultivando os aspectos da vida comunitária e cristã sob a perspectiva da grande Vigília (Sábado Santo), onde, naquela madrugada, o túmulo vazio sinalizou para todos nós o inicio de um novo tempo. Renovando os nossos compromissos batismais, aspergidos com água que jorra para a vida eterna, sejamos cada vez mais anunciadores e promotores de uma sociedade mais justa, onde a cultura de morte não tenha vez e nem voz.
A todos uma feliz Quaresma!
Campina Grande, 18 de fevereiro de 2009.
* Geógrafo, Teólogo e Professor.