quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

QUARESMA, TEMPO DE MUDAR DE VIDA!

QUARESMA – EIS O TEMPO DE CONVERSÃO
* Eraldo Amorim

Desde o século II os cristãos celebram a Quaresma praticando o jejum, abstinência e períodos intensos de oração, tendo em vista a celebração da Páscoa. Na sua evolução histórica, a Quaresma, do latim “Quadragésima”, era o tempo litúrgico em que os fiéis se reconciliavam com a Igreja, ou seja, eram readmitidos na comunidade cristã e também se preparavam para receber o sacramento do Batismo. Os catecúmenos, provenientes do paganismo ou do judaísmo, faziam a sua preparação com atitudes que demonstravam adesão ao cristianismo.
Eram quarenta dias de jejum, exceto os domingos. No período quaresmal aos catecúmenos era exigido um permanente estado de renúncia e de adesão ao Cristo, professando a fé diante do Bispo e da comunidade reunida. A celebração do sacramento do Batismo ocorria na noite do Sábado Santo, quando podiam ser chamados de “fiéis”. Era, portanto, a pedagogia que passou a ser utilizada a partir do século IV, como forma de aceitação criteriosa dos novos cristãos.
De acordo com o antigo costume, o jejum consistia em apenas uma refeição diária, ao cair da tarde. Acrescentou-se, depois, a abstinência de carne e vinho, e em algumas regiões também a abstinência dos chamados lacticínios (leite, manteiga e ovos). Hoje, o exercício espiritual do jejum no tempo da Quaresma se resume apenas em dois dias, a Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira da Paixão. Além do jejum, este tempo litúrgico nos propõe a esmola e a oração, como virtudes a serem exercitadas.
A Quaresma nos prepara para a grande festa da Páscoa. Faz referência aos quarenta dias em que Jesus jejuou no deserto depois do batismo no Jordão (Mt 4, 2; Lc 4, 1s). Faz alusão também aos quarenta dias em que Moisés jejuou no monte Sinai (Ex 34, 28) e o profeta Elias caminhou em direção ao monte Horeb (1 Rs 19, 8), e a caminhada do povo de Deus no deserto após a libertação no Egito.
Segundo o Catecismo da Igreja: “A tentação de Jesus manifesta a maneira que o Filho de Deus tem de ser Messias – o oposto da que lhe propõe Satanás e que os homens desejam atribuir-lhe. É por isso que Cristo venceu o Tentador por nós: ‘Pois não temos um sumo sacerdote incapaz de comparecer-se de nossas fraquezas, pois Ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado’ (Hb 4, 15). A Igreja se une a cada ano, mediante os quarenta dias da Grande Quaresma, ao mistério de Jesus no deserto” (§ 540). Sendo assim, a Quaresma nos revela que mediante a obediência de Jesus no deserto nos tornamos fortes a superar as tentações do tempo presente, desde que estejamos dispostos a reconhecer as nossas fraquezas e buscar a conversão.
Assim nos adverte o apóstolo Paulo: “É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2 Cor 6, 2). Pois bem, a Quaresma é mais uma oportunidade de rever as nossas atitudes, as nossas concepções de mundo e de pensamento. Deus nos dá a chance de conversão, de mudança de vida, assim como é pregado no Evangelho: metanoia (Mc 1, 15).
“Revesti-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4, 24). Entretanto, não é fácil mudar de vida, romper com as estruturas de pecado e de morte. Este tempo litúrgico, extremamente catequético, nos leva ao calvário, ao sofrimento e a entrega de si mesmo, deixando morrer em nós toda prepotência e fazendo renascer um novo ser humano. A cruz, tão reverenciada neste período, nos ensina a não apenas enxergar o Cristo glorioso, mas a contemplar e a viver o mistério da dor como forma de se chegar ao paraíso.
É no exercício quaresmal que aprendemos a abrir o coração, a quebrar o orgulho, a vaidade e a compreender que nesta vida tudo termina em pó, e que o que permanece são as nossas boas obras de justiça, amor e perdão. Embora a conversão, enquanto mudança de vida, não ocorra cem por cento, a quaresma suscita em nós um desejo de mudança, é exercício em busca do aperfeiçoamento espiritual, conseqüentemente, uma maneira nova de viver, de agir e de tratar o próximo. Como bem nos afirma a Ir. Yone Buyst, “quaresma é tempo de retomar o caminho do Evangelho, tempo de renovação, de ‘morte ao pecado’, para que possamos ressurgir para uma vida nova com Cristo na sua Páscoa. Quaresma requer sobriedade, não é tristeza, é despojamento, ares de deserto”.
Aqui vão alguns lembretes de como devemos viver este tempo. Em clima de retiro espiritual, nas celebrações não cantamos o Glória e nem o Aleluia; a brandura dos instrumentos nos convida a reflexão silenciosa; as flores não enfeitam o presbitério, pelo menos neste período; a cor roxa é sinal de sobriedade e recolhimento; a Via Sacra nos faz repensar sobre o valor da vida e do amor de Cristo na cruz; a aspersão no Ato Penitencial renova em nós os compromissos batismais e a Campanha da Fraternidade é uma provocação pessoal e comunitária sobre as nossas contradições e injustiças que abalam os céus e provocam a crucifixão de milhares de seres humanos ainda hoje.
Vivamos a quaresma de maneira intensa, cultivando os aspectos da vida comunitária e cristã sob a perspectiva da grande Vigília (Sábado Santo), onde, naquela madrugada, o túmulo vazio sinalizou para todos nós o inicio de um novo tempo. Renovando os nossos compromissos batismais, aspergidos com água que jorra para a vida eterna, sejamos cada vez mais anunciadores e promotores de uma sociedade mais justa, onde a cultura de morte não tenha vez e nem voz.

A todos uma feliz Quaresma!

Campina Grande, 18 de fevereiro de 2009.
* Geógrafo, Teólogo e Professor.

FRATERNIDADE E SEGURANÇA PÚBLICA

CF 2009 – “A Paz é fruto da Justiça” (Is 32, 17).
* Eraldo Amorim.

Desde 1964 a CNBB lança no Brasil a Campanha da Fraternidade que sempre acontece de maneira intensa durante o período quaresmal. É, verdadeiramente, um tempo litúrgico propício a uma reflexão sobre a nossa maneira de agir, a buscarmos conversão tanto no nível pessoal quanto comunitário.
A Campanha da Fraternidade é apenas um caminho que a Igreja oferece para refletirmos sobre os problemas sociais existentes em nosso país. Na realidade, a CF extrapola os limites da Igreja, ou seja, vai além de suas fronteiras e atinge os mais diversos segmentos da sociedade. A CF não pertence à Igreja em si, é uma Campanha que deve ser abraçada por todos aqueles que sonham com uma sociedade melhor, mais justa, humana e fraterna.
E este ano, a CNBB escolheu um tema muito pertinente e que nos preocupa a todos. Com o tema: “Fraternidade e Segurança Pública” e lema: “A Paz é fruto da Justiça” (Is 32, 17), a CF, de maneira profética, nos interpela, nos incomoda e nos chama a lutar por uma cultura de paz em favor da vida e da dignidade humana tão almejada em nossa sociedade. Diz o texto base da CF 2009: “O objetivo geral da Campanha da Fraternidade 2009 é suscitar o debate sobre a segurança pública e contribuir para a promoção da cultura da paz nas pessoas, na família, na comunidade e na sociedade, a fim de que todos se empenhem efetivamente na construção da justiça social que seja garantia de segurança para todos” (Texto Base).
Entretanto, são muitos os motivos para levarmos adiante esta Campanha e não cruzarmos os braços diante da violência, da falta de compromisso do Estado, da ausência (ou omissão) da maioria dos cidadãos nas discussões sobre o tema e da desvalorização da vida e da dignidade humana. Diz a Constituição Brasileira que ”A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (Art. 144)”, portanto, é função primordial do Estado Brasileiro zelar pela ordem pública, defender e proteger a vida das pessoas e manter a sociedade em plena ordem. Porém, não estamos isentos de fazermos com que a segurança e a paz reinem em nosso convívio.
Mas o que é mesmo a Paz? Com certeza não é simplesmente a ausência de guerras ou conflitos declarados, muito menos um descanso silencioso que não nos incomoda, um clima brando e suave que nos deixa anestesiados e passivos. A Paz, aquela mesma que Jesus veio nos deixar (Jo 14, 27), nos incomoda, nos impulsiona a lutar por justiça, cria em nós um desejo ardente de denunciar as arbitrariedades contra a vida, nos faz falar e não calar diante das autoridades impulsivas por corrupção, diante da fome e da miséria de muitos, da falta de moradia digna e de saúde. A Paz verdadeira só irá reinar quando todos puderem desfrutar de saúde e qualidade de vida, meios de transporte descente, acesso a emprego e seus direitos respeitados, quando os conflitos sociais deixarem de existir.
A Paz é inquieta, como canta PE. Zezinho. É utopia? Pode ser, mas é um desejo que está no coração de Deus, que o Homem a promova. Não ajudaremos em nada se ficarmos calados, extasiados, olhando, como que platéia distraída, milhares de jovens sem perspectiva entrarem no mundo da criminalidade e morrerem assassinados antes de completarem 20 anos de idade; famílias destruídas por culpa do narcotráfico; presídios superlotados (verdadeiros depósitos humanos), palcos de constantes rebeliões e sem a mínima condição de sobrevivência.
Hoje é impossível não sentirmos medo ao sairmos à noite. Mesmo naqueles momentos em família não podemos deixar a porta da casa aberta, ou pararmos em semáforos durante o dia. Os assaltos, os seqüestros, os estupros, o crime organizado, a violência doméstica, os abusos de poder por parte de alguns policiais, o mau preparo dos agentes da policia, bem como o surgimento de milícias e de grupos de extermínio que atentam contra os Direitos Humanos, nos colocam em clima de total insegurança.
Culpa de quem afinal? Bem sabemos que o Estado tem grande parcela de culpa, pois não cumpre com o seu papel de principal agente responsável pela segurança, deixando a sociedade a mercê daqueles que fizeram do crime seu meio de sobrevivência. Não basta apenas aos policiais dar boa remuneração, construir presídios, diminuir a maioridade penal, investir em aparatos de segurança que diminuam a criminalidade, ou ter leis penais rígidas; é preciso antes de tudo por fim a esta sensação de impunidade que assola o nosso país, a começar por aqueles que detêm o poder e o dinheiro.
É necessário admitir que as instituições policiais (civil, militar, federal) não estão unidas no combate aos mais diversos tipos de crime. Infelizmente o que temos visto é a concepção de uma policia repressiva, autoritária e violenta, e que ao mesmo tempo em que combate a criminalidade, permite que alguns policiais se infiltrem no mundo da marginalidade, facilitando o tráfico de drogas e de armas e recebendo propinas.

“É preciso agir com competência e discernimento à luz de critérios evangélicos. Além disso, todos devem estar atentos a tudo o que forma consciências violentas” (Texto Base). Faz-se urgente a construção de um projeto de prevenção ao crime, ou melhor, que tenhamos um trabalho comunitário efetivo em áreas onde o crime mais se faz presente. Que a policia não nos cause medo, mas que penetre nas comunidades levando segurança em forma de conscientização. Que as autoridades levem a sério aquilo que dizem os especialistas em Segurança Pública.
A educação é uma forte aliada no combate ao crime. Mas assim como os policiais, não se pode simplesmente aumentar os salários dos professores (reivindicação justa), sem um projeto de ação que envolva a família, os meios de comunicação, a arte e a cultura; é preciso envolver a própria sociedade, favorecer uma melhor distribuição de renda, cultivar valores hoje esquecidos, e, acima de tudo, escutar a voz da solidariedade, não favorecendo a vingança e o ódio. Só assim a Paz verdadeiramente reinará.
Os cristãos devem expressar esse desejo de Paz a partir das suas próprias ações dentro da comunidade. De nada adianta pregar o amor sem vivê-lo de fato dentro da Igreja. Baixemos as armas do egoísmo, da vaidade, da competição e do consumismo. Façamos desta Campanha um momento, não apenas de reflexão, mas de propostas para todos, juntos, ajudarmos os governos, Ong´s, instituições religiosas, enfim, toda a sociedade a buscar alternativas que, pelo menos, amenizem o índice de violência, e que tenhamos a coragem de enfrentar as suas causas e não apenas os seus efeitos.
Que o Senhor derrame sobre todos nós, a sua copiosa bênção redentora, e que tenhamos a graça de termos o dom profético de anunciar a Paz, falando sempre a verdade, sem medo, mostrando que é possível viver com dignidade, assim como fez o profeta Isaias. “No deserto habitará o direito, e a justiça habitará o jardim. O fruto da justiça será a paz. De fato, o trabalho da justiça resultará em tranqüilidade e segurança permanentes” (Is 32, 16 – 17).

Campina Grande, 17 de Fevereiro de 2009.

* Geógrafo, Teólogo e Professor.