“São João sem vender lenha para fogueira!”
Por uma cultura em defesa do Meio Ambiente.
*Eraldo Amorim
Mais uma iniciativa louvável do Ministério Público é a proibição da venda de lenha destinada à queima no período junino. Mesmo levando em consideração o aspecto cultural e religioso, muito mais o primeiro do que o segundo, esta liminar da justiça reforça a preocupação e a atuação dos órgãos públicos pela preservação do Meio Ambiente, preocupação esta que deve ser de todo cidadão e cidadã. Há muito tempo que os nossos festejos juninos já não são mais os mesmos, que as nossas quadrilhas não têm os mesmos compassos, e que boa parte do forró que faz sucesso é um “produto enlatado” de péssima qualidade, fazendo apologia à pornografia, à prostituição e ao uso da bebida. O pior cego é aquele que não quer ver.
Os textos bíblicos, pelo menos os canônicos, não relatam em nenhum versículo a existência de uma fogueira para anunciar o nascimento de João Batista, muito menos durante o evento martírio de São Pedro e São Paulo, ou no instante da morte de Santo Antônio. Por isso afirmo que a Tradição de acender fogueira é muito mais um aspecto cultural, antropológico, do que teológico e bíblico. Sendo assim, a Igreja não tem dever nenhum em se pronunciar a favor de tal costume, até mesmo porque a Tradição Cristã Católica sai em primeiro lugar em defesa da vida, inclusive da fauna e da flora. Deve-se perceber que o discurso religioso sobre este assunto vem à tona com maior facilidade e repercussão. Por que outros temas, cujos fundamentos teológicos e bíblicos, que são defendidos pela Igreja não causam tanto alvoroço?
É bom lembrar que em 2007 a Campanha da Fraternidade refletiu sobre a Amazônia e sobre todos os problemas que envolvem a degradação do Meio Ambiente. Qualquer iniciativa que venha somar ao propósito de preservar a natureza deve ser acolhida com entusiasmo e alegria, mesmo que cause mudanças na concepção cultural, pois a Amazônia é aqui, é o nosso lar, o nosso bairro, nossa Terra.
Nenhuma cultura, por mais milenar que seja não é estática, mas sim, dinâmica. Dessa forma, deve-se enquadrar de acordo com a realidade. Segundo estudos da Embrapa Algodão, 65% do estado da Paraíba estão se transformando em deserto, ou seja, se tornando impróprio para o cultivo. Fatores como o aquecimento global, a criação de animais e a agricultura (não acompanhados de técnicas adequadas de manejo), além do desmatamento desenfreado, estão aumentando a desertificação, não somente em nosso estado mais em boa parte da região nordeste.
Portanto, não podemos nos dar ao luxo de, em pleno processo de aquecimento global e desastres ambientais cada vez mais globalizados e catastróficos, desmatarmos a mata nativa e queimar lenha em nome de uma tradição que pode ser mudada, dependendo do grau de consciência da população. Já bastam as panificadoras, as carvoarias e as olarias que queimam lenha o ano inteiro em seus fornos.
Outro fator que não podemos deixar de ressaltar é que a fumaça liberada pela queima de madeira (CO2) causa danos irreparáveis à saúde humana. Hospitais ficam superlotados de crianças e idosos com problemas respiratórios, isto sem falar no caos do tráfego aéreo por conta da invisibilidade por milhares de quilômetros.
A crítica recai sobre esta liminar, no que diz respeito à maneira como se propõe a mudança. Pensa-se que o melhor caminho seria através do diálogo e da conscientização. Mas na realidade, a situação ambiental é desastrosa e não podemos esperar. Esta medida é, a curto prazo, uma maneira de coibir, desde já, as causas dos desastres ecológicos, baseando-se na certeza de que a população irá a logo prazo se conscientizar do grave problema que enfrentamos.
Campanhas educativas nas escolas, nas igrejas, nas SAB´s – Sociedades de Amigos de Bairro, nos meios de comunicação (...) podem ajudar bastante nesta luta. Precisamos aprender de uma vez por todas que os recursos naturais são finitos e que estão chegando ao fim, de maneira rápida. Quando derrubamos uma árvore, inconscientemente e sem pensar num reflorestamento, estamos também matando várias espécies de pássaros, insetos e animais provenientes da flora e da fauna, daquele bioma. Nenhuma cultura deve estar acima da dignidade da Criação.
Façamos do nosso “São João” um evento em favor da vida: sem fogueira e sem balão! Sem mortes e sem destruição. Mudemos a maneira de lidarmos com a natureza e com os seres vivos que lhes pertencem. Assim, será a nossa melhor homenagem aos santos juninos!
*Teólogo, geógrafo e especialista em Meio Ambiente. (16 / 06 / 2008).
sexta-feira, 20 de junho de 2008
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