quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

FRATERNIDADE E SEGURANÇA PÚBLICA

CF 2009 – “A Paz é fruto da Justiça” (Is 32, 17).
* Eraldo Amorim.

Desde 1964 a CNBB lança no Brasil a Campanha da Fraternidade que sempre acontece de maneira intensa durante o período quaresmal. É, verdadeiramente, um tempo litúrgico propício a uma reflexão sobre a nossa maneira de agir, a buscarmos conversão tanto no nível pessoal quanto comunitário.
A Campanha da Fraternidade é apenas um caminho que a Igreja oferece para refletirmos sobre os problemas sociais existentes em nosso país. Na realidade, a CF extrapola os limites da Igreja, ou seja, vai além de suas fronteiras e atinge os mais diversos segmentos da sociedade. A CF não pertence à Igreja em si, é uma Campanha que deve ser abraçada por todos aqueles que sonham com uma sociedade melhor, mais justa, humana e fraterna.
E este ano, a CNBB escolheu um tema muito pertinente e que nos preocupa a todos. Com o tema: “Fraternidade e Segurança Pública” e lema: “A Paz é fruto da Justiça” (Is 32, 17), a CF, de maneira profética, nos interpela, nos incomoda e nos chama a lutar por uma cultura de paz em favor da vida e da dignidade humana tão almejada em nossa sociedade. Diz o texto base da CF 2009: “O objetivo geral da Campanha da Fraternidade 2009 é suscitar o debate sobre a segurança pública e contribuir para a promoção da cultura da paz nas pessoas, na família, na comunidade e na sociedade, a fim de que todos se empenhem efetivamente na construção da justiça social que seja garantia de segurança para todos” (Texto Base).
Entretanto, são muitos os motivos para levarmos adiante esta Campanha e não cruzarmos os braços diante da violência, da falta de compromisso do Estado, da ausência (ou omissão) da maioria dos cidadãos nas discussões sobre o tema e da desvalorização da vida e da dignidade humana. Diz a Constituição Brasileira que ”A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (Art. 144)”, portanto, é função primordial do Estado Brasileiro zelar pela ordem pública, defender e proteger a vida das pessoas e manter a sociedade em plena ordem. Porém, não estamos isentos de fazermos com que a segurança e a paz reinem em nosso convívio.
Mas o que é mesmo a Paz? Com certeza não é simplesmente a ausência de guerras ou conflitos declarados, muito menos um descanso silencioso que não nos incomoda, um clima brando e suave que nos deixa anestesiados e passivos. A Paz, aquela mesma que Jesus veio nos deixar (Jo 14, 27), nos incomoda, nos impulsiona a lutar por justiça, cria em nós um desejo ardente de denunciar as arbitrariedades contra a vida, nos faz falar e não calar diante das autoridades impulsivas por corrupção, diante da fome e da miséria de muitos, da falta de moradia digna e de saúde. A Paz verdadeira só irá reinar quando todos puderem desfrutar de saúde e qualidade de vida, meios de transporte descente, acesso a emprego e seus direitos respeitados, quando os conflitos sociais deixarem de existir.
A Paz é inquieta, como canta PE. Zezinho. É utopia? Pode ser, mas é um desejo que está no coração de Deus, que o Homem a promova. Não ajudaremos em nada se ficarmos calados, extasiados, olhando, como que platéia distraída, milhares de jovens sem perspectiva entrarem no mundo da criminalidade e morrerem assassinados antes de completarem 20 anos de idade; famílias destruídas por culpa do narcotráfico; presídios superlotados (verdadeiros depósitos humanos), palcos de constantes rebeliões e sem a mínima condição de sobrevivência.
Hoje é impossível não sentirmos medo ao sairmos à noite. Mesmo naqueles momentos em família não podemos deixar a porta da casa aberta, ou pararmos em semáforos durante o dia. Os assaltos, os seqüestros, os estupros, o crime organizado, a violência doméstica, os abusos de poder por parte de alguns policiais, o mau preparo dos agentes da policia, bem como o surgimento de milícias e de grupos de extermínio que atentam contra os Direitos Humanos, nos colocam em clima de total insegurança.
Culpa de quem afinal? Bem sabemos que o Estado tem grande parcela de culpa, pois não cumpre com o seu papel de principal agente responsável pela segurança, deixando a sociedade a mercê daqueles que fizeram do crime seu meio de sobrevivência. Não basta apenas aos policiais dar boa remuneração, construir presídios, diminuir a maioridade penal, investir em aparatos de segurança que diminuam a criminalidade, ou ter leis penais rígidas; é preciso antes de tudo por fim a esta sensação de impunidade que assola o nosso país, a começar por aqueles que detêm o poder e o dinheiro.
É necessário admitir que as instituições policiais (civil, militar, federal) não estão unidas no combate aos mais diversos tipos de crime. Infelizmente o que temos visto é a concepção de uma policia repressiva, autoritária e violenta, e que ao mesmo tempo em que combate a criminalidade, permite que alguns policiais se infiltrem no mundo da marginalidade, facilitando o tráfico de drogas e de armas e recebendo propinas.

“É preciso agir com competência e discernimento à luz de critérios evangélicos. Além disso, todos devem estar atentos a tudo o que forma consciências violentas” (Texto Base). Faz-se urgente a construção de um projeto de prevenção ao crime, ou melhor, que tenhamos um trabalho comunitário efetivo em áreas onde o crime mais se faz presente. Que a policia não nos cause medo, mas que penetre nas comunidades levando segurança em forma de conscientização. Que as autoridades levem a sério aquilo que dizem os especialistas em Segurança Pública.
A educação é uma forte aliada no combate ao crime. Mas assim como os policiais, não se pode simplesmente aumentar os salários dos professores (reivindicação justa), sem um projeto de ação que envolva a família, os meios de comunicação, a arte e a cultura; é preciso envolver a própria sociedade, favorecer uma melhor distribuição de renda, cultivar valores hoje esquecidos, e, acima de tudo, escutar a voz da solidariedade, não favorecendo a vingança e o ódio. Só assim a Paz verdadeiramente reinará.
Os cristãos devem expressar esse desejo de Paz a partir das suas próprias ações dentro da comunidade. De nada adianta pregar o amor sem vivê-lo de fato dentro da Igreja. Baixemos as armas do egoísmo, da vaidade, da competição e do consumismo. Façamos desta Campanha um momento, não apenas de reflexão, mas de propostas para todos, juntos, ajudarmos os governos, Ong´s, instituições religiosas, enfim, toda a sociedade a buscar alternativas que, pelo menos, amenizem o índice de violência, e que tenhamos a coragem de enfrentar as suas causas e não apenas os seus efeitos.
Que o Senhor derrame sobre todos nós, a sua copiosa bênção redentora, e que tenhamos a graça de termos o dom profético de anunciar a Paz, falando sempre a verdade, sem medo, mostrando que é possível viver com dignidade, assim como fez o profeta Isaias. “No deserto habitará o direito, e a justiça habitará o jardim. O fruto da justiça será a paz. De fato, o trabalho da justiça resultará em tranqüilidade e segurança permanentes” (Is 32, 16 – 17).

Campina Grande, 17 de Fevereiro de 2009.

* Geógrafo, Teólogo e Professor.

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